Provavelmente você já ouviu que beber qualquer coisa durante as refeições engorda, atrapalha a digestão, provoca azia e afeta a absorção adequada dos nutrientes. Logo, recomenda-se que os líquidos sejam ingeridos cerca de meia hora antes ou depois de comer.
Mas será que isso tudo não passa de um mito?
O tema ainda é alvo de muito debate no âmbito da Nutrição. Há quem seja absolutamente contra, há quem seja a favor de ter um copo d’água à mesa no almoço e no jantar. Neste artigo, vamos analisar os fundamentos dos dois grupos e tentar chegar a uma conclusão satisfatória.
Confira!
Como funciona o processo digestivo
A digestão é iniciada na boca, assim que você começa a mastigar sua comida. A mastigação manda um sinal às glândulas salivares para que comecem a produzir saliva, que contém enzimas que ajudam a “quebrar” os alimentos, facilitando a absorção de nutrientes.
A saliva também ajuda a amaciar a comida, preparando-a para uma travessia suave no esôfago e no estômago.
Neste, o alimento é misturado com suco gástrico ácido, que vai quebrá-lo ainda mais e, no processo, gerar um líquido viscoso chamado quimo. O quimo é deslocado para a primeira parte do intestino delgado, onde será misturado a enzimas digestivas do pâncreas e do ácido biliar do fígado.
Elas ainda fragmentam o quimo, preparando cada nutriente para absorção na corrente sanguínea.
O corpo absorve a maioria dos nutrientes enquanto o quimo viaja através do intestino delgado, deixando apenas uma pequena porção a ser absorvida quando atinge o cólon.
Uma vez na corrente sanguínea, os nutrientes são enviados para diferentes áreas do corpo.
A digestão termina quando os compostos restantes são excretados. Dependendo do que foi ingerido, esse processo todo pode levar de 24 a 72 horas.
Por que ingerir líquidos durante as refeições pode fazer mal
Dependendo do tipo de líquido ingerido, algumas etapas desse processo seriam afetadas.
Bebidas de alto teor alcoólico, como o uísque e o conhaque, por exemplo, estariam associadas a uma redução de 25% a 40% no fluxo salivar, mas bebidas como o vinho e a cerveja, que têm menor concentração de álcool, não afetariam significativamente esse aspecto.
O fluxo normal ainda é recuperado após cerca de uma hora e meia da ingestão.
Além disso, não há evidência científica, até o momento, que sustente a teoria de que bebidas alcoólicas, consumidas moderadamente, afetem negativamente a digestão ou a absorção de nutrientes.
Por outro lado, segundo um estudo bem recente, publicado em novembro de 2017 no Biomed Central Nutrition, a ingestão de bebidas açucaradas – isto é, adoçadas com açúcar ou artificialmente – reduzem significativamente a degradação de moléculas de gordura principalmente quando combinadas com refeições ricas em proteína.
Os pesquisadores descobriram que a inclusão de uma bebida açucarada nas refeições diminuiu a oxidação da gordura, após qualquer refeição, em 8%; em refeições que continham 15% de proteína, a oxidação da gordura diminuiu, em média, 7,2g; nas que continham 30%, a oxidação da gordura diminuiu, em média, 12,6g.
Além disso, a maior demanda energética para metabolizar a refeição sequer compensa a ingestão de calorias adicionais da bebida. O estudo ainda destaca um aumento no desejo de ingerir alimentos salgados 4 horas após a combinação da bebida com refeições ricas em proteína.
Finalmente, uma asserção comum sobre o tema propõe que a ingestão de líquidos durante as refeições “empurraria” a comida para fora do estômago, acelerando o processo e prejudicando uma digestão adequada, uma vez que as enzimas digestivas não teriam tempo suficiente para trabalhar quebrando os alimentos conforme a necessidade.
Em contrapartida, uma análise do esvaziamento gástrico, considerando o processo digestivo da ingestão simultânea de sólidos e líquidos, mostra o contrário: a travessia dos líquidos é desacelerada pelos sólidos, mas os sólidos não são afetados pelo líquido.
Isso nos leva aos argumentos a favor.
Por que ingerir líquidos durante as refeições pode ser positivo
A ideia de que beber água durante as refeições engorda é um mito. No entanto, o líquido pode fazer com que você se sacie mais rápido.
Um estudo conduzido ao longo de 12 semanas mostra que beber cerca de 500ml antes das refeições poderia reduzir a ingestão de 75 a 90 calorias por refeição.
Outro estudo mostra que o hábito de beber água enquanto você se alimenta pode contribuir para regular a quantidade de comida ingerida, uma vez que você se atentará mais aos seus níveis de saciedade.
Porém, em termos de consumo calórico, os pesquisadores descobriram que apenas os indivíduos de peso normal apresentaram uma redução estatisticamente significante de 88 kcal, contra uma diminuição de apenas 58 kcal para o grupo com excesso de peso ou obeso.
De todo modo, quaisquer benefícios atrelados à ingestão de líquidos como estratégia alimentar é exclusivo da água, uma vez que não possui calorias.
Há ainda quem afirme que beber água gelada antes ou durante as refeições otimizaria o metabolismo, uma vez que o corpo gastaria mais energia para adequar a temperatura da água à do corpo.
Mas as evidências científicas não corroboram essa ideia, pois, de acordo com o que se sabe até o momento, os efeitos desse processo não expressivos o suficiente.
Não podemos negar, porém, que a ingestão de líquidos durante as refeições de fato estufa a barriga, pois o líquido adiciona volume ao estômago. Para a maioria das pessoas, isso não chega a configurar problemas sérios, mas para quem sofre de refluxo gastroesofágico, o recomendado é evitar o hábito.
Conclusão: você pode ou não pode ingerir líquidos durante as refeições?
Considerando as informações acima, não é possível afirmar que ingerir líquidos durante as refeições traz benefícios expressivos.
No entanto, devemos considerar que muitos têm o hábito de beber enquanto comem e que se desfazer desse hábito, estando o indivíduo saudável, tampouco afetaria seu corpo tão positivamente assim, uma vez que o processo digestivo adequado não é comprometido.
O que é imprescindível, porém, se você tem o costume de ingerir líquidos durante as refeições, é que o líquido em questão seja a água.
Bebidas industrializadas – especialmente os refrigerantes – devem ser evitadas a todo custo, pois estas sim têm impacto negativo no corpo e na absorção adequada de nutrientes.
